quinta-feira, 22 de julho de 2010

Verborreia

Guardou-se. No meio do caos efêmero do mundo, Demian preferiu a marginalização ao invés de se tornar apenas mais um no meio de muitos iguais. Aos 15 anos não havia tocado sequer um lábio doce daqueles seres formosos com cheiro de rosas e toque de fada. Esperava com cuidado o advento do sentimento mais sublime, destruidor de lares e construtor das mais belas canções. O amor chegou com educação, ternura e compaixão.
Em algum lugar do caminho, ele deixou-se levar pelo coração e perdeu um pedaço do mesmo. Alguns dizem que ele trombou com ela num beco sem saída, outros que foi numa esquina qualquer sem nome. Fulminantemente, enfeitaram-se uns aos outros - e quem há de dizer que o amor não é o enfeite que damos uns aos outros - vestiram as máscaras do amor e o carnaval fora de época começou. A fortuna do amor sorria aos dois.
Ele era um sanguessuga cultural, estimava poucas pessoas, mas absorvia a cultura de todas de forma implacável, lia mesmo os livros que não o atraiam, tentava assim ver pelos olhos dos outros, entender culturas diferentes e compreender mais as pessoas, apesar de admirar apenas uma pequena porção delas. Ourives por natureza, ela era mais discreta, buscava conhecer melhor a si mesmo e não aos outros. Aos poucos ele foi tomando a frente de assuntos financeiros enquanto ela realizava pequenos sonhos - mas ainda sonhos -,como ver um pôr de sol em Santorini. Dois filhos vieram, despesas aumentaram. Ele se encarregou de trabalhar mais para dar um "futuro melhor" para os filhos. Ela ficou com a parte que as mães sempre ficam, cuidar da educação. O apartamento ficou pequeno, não havia mais tanto espaço para o escritório, e ele reclamava sempre que não conseguia mais trabalhar em paz. Fazia pouco-caso. Nas quartas começou a frequentar o jockey club.
As quartas viraram sinônimo de festa para os três refugiados. Pipoca, filmes, guerras de travesseiro, brigadeiro, e o principal: risadas: uma família que não consegue mais rir de si mesmo é uma família fadada ao tédio. Deleitavam brincadeiras na sala, no quarto, na cozinha e até no escritório, lugar inacessível na presença do pai. Chamavam de "A caverna do monstro". Diziam que as quartas-feiras à noite o monstro caia num sono tão profundo que nenhuma brincadeira era capaz de acordá-lo.
Ele era promovido constantemente, devido à sua cultura conhecia as pessoas de uma forma invejável e sempre manipulava as situações à seu favor. Naturalmente todos sabiam que seu salário crescia junto, e isso despertou o interesse das mulheres sem coração. Passou a frequentar o jockey club também às quintas-feiras, mas era um véu para as transas com as diversas mulheres da empresa. Na casa, as quintas-feiras viraram motivo de alegria também. A alegria sempre estava onde Demian não estava. Ela dependia financeiramente dele. Corria o risco de passar fome um dia, mas nunca passou fome de alegria - essa fome é diferente, preciamos de alegria o tempo inteiro, mas algum tipo de placebo impede de sentirmos a vontade de sermos alegres.
Numa das quintas-feiras, as crianças brincando acertaram um travesseiro em um objeto vítreo que despedaçou do chão. As crianças nem perceberam e continuaram a brincadeira nos outros espaços da casa. O pai chegou. como sempre, um oi pouco carinhoso enquanto corria na direção do escritório para checar os e-mails desesperadamente. Notou o objeto quebrado. Embravecido foi em direção do quarto onde a mãe colocava os filhos para dormir.
- Qual das criaturas quebrou meu prêmio?
- Papai ganhou um prêmio? - disse Ted.
- Prêmio do que? - disse Pedro.

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